A insustentável leveza do ser

O que faz da sua vida a sua vida? As decisões que você tomou fizeram com que sua vida fosse o que é ou uma série de coincidências te levaram a conhecer as pessoas que você ama e a seguir o rumo que você seguiu na vida? 

A idéia do eterno retorno, de Nietzsche diz que um dia tudo vai se repetir tal como já foi vivido e que essa repetição vai se prolongar indefinidamente. A vida que desaparece hoje, por mais atroz ou mais bela que tenha sido não tem o menor sentido. Assim como a guerra entre judeus e palestinos ou o holocausto, ela não alterou em nada a face do mundo apesar de todas as mortes que causaram. No eterno retorno o holocausto se repete para todo o sempre. Milhares de pessoas são dizimadas, o muro é construído separando Berlim em duas e isso não impede que os judeus construam um muro isolando os palestinos mais de 50 anos mais tarde. Nada mudou.  

Essa repetição infinita atribui um grande peso a todos os fatos, já que todos eles se repetirão para sempre. Pior do que um Robespierre, de uma Revolução Francesa, é a sua volta eterna.

Essa é a divagação com que o escritor tcheco Milan Kundera inicia o livro A insustentável leveza do ser, publicado em 1984. A história se passa Passado na antiga Tchecoslováquia, durante os eventos da “Primavera de Praga”, em que o clima de traição e anticomunismo tomam conta do país após a invasão da União Soviética.  

As personagens principais do livro são Tomas e Tereza. Tomas é um cirurgião com dificuldade em ter relações monogâmicas, que conhece Tereza trabalhando num bar durante uma viagem a um pequena cidade da Boêmia. Algum tempo depois ela vai visitá-lo em Praga e pega uma gripe forte, que a deixa de cama por uma semana. Tomas cuida dela durante esse período e se apaixona pela idéia de ter alguém tão vulnerável em sua vida. Sente-se como se Tereza lhe tivesse sido enviada através de uma cesta levada rio abaixo pela correnteza de um rio e deixada aos seus cuidados. Eles passam a morar juntos, e, pelo resto de sua vida, Tomas se pergunta se está com Tereza por amor ou se foi uma armadilha do destino, através de coincidências como a gripe, que o fizeram se sentir responsável por aquele ser indefeso e que o amava tão desesperadamente.

Tereza é fotógrafa, sempre teve uma relação ruim com sua mãe e nunca gostou de sua vida, até que conheceu Tomas, a quem sempre amou incondicionalmente. Por isso suporta todas as amantes que ele tem e o cheiro que elas deixam nele e que a faz ter pesadelos todas as noites.

O livro é muito interessante, não apenas por tratar relacionamentos com um realismo muito forte e por fazer reflexões profundas sobre as relações de força e manipulação presentes numa relação amorosa, mas por se passar num local que passa por uma transformação histórica muito pouco comentada em comparação com a de outros países na mesma época, mas nem por isso menos interessante. Talvez o fato do autor ser tcheco faça com que tenha uma visão diferente da do resto dos europeus.

Para aqueles que não procuram uma história de amor água com açúcar com final feliz e belas cenas em castelos encantados, mas um romance filosófico e reflexivo, eu recomendo.

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